terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Treino é jogo, jogo é treino

Talvez o grande problema para se entender a ação tática, seja devido ao fato de que quando se fala em tática aqui no Brasil, sempre se associa à esquema tático (sistema tático, ou plataforma tática)
Certa vez, já há algum tempo escrevi uma crônica pedagógica dizendo: “Treino é treino, jogo é jogo! Este é um dos adágios populares mais alardeados meio futebolístico. Jornalistas, técnicos, jogadores, torcedores... Já escutei esta frase de todos eles. Contudo, o problema não se resume no reproduzir este ditado, mas em acreditar nele. Esta máxima popular, se levada ao pé da letra, me permite concluir que não tem sentido treinar.
Se o treino é circunscrito em si, ou seja, tem um fim nele mesmo, não mantendo relação com o jogo, treinar passa a ser apenas ocupação de tempo ocioso antes do jogo, pois o mesmo não prepara os jogadores para enfrentar os problemas do jogo. Volto a dizer no futebol os treinos e seus objetivos são, na maioria das vezes, banalizados (repetidos porque sempre foi assim). Pode-se dizer isto no sentido de que os mesmos não se preocupam necessariamente em manter uma relação com o acaso e as exigências presentes no jogo. Nos treinos reina a previsibilidade; no jogo impera a imprevisibilidade.”
Infelizmente, este é um tema recorrente (e o será ainda por um tempo; tenho consciência disto), pois como Mary Lippitt, presidente da Enterprise Management e autora de “The Leadership Spectrum”, adverte: “O difícil não é implementar novas idéias na cabeça das pessoas, mas sim retirar as antigas”.
O método tecnicista ainda é poderoso, ou melhor, está fortemente arraigado no inconsciente coletivo, para utilizar um tema Jungiano. Até naqueles que começam a entender as propostas advindas das novas tendências em pedagogia do esporte, algumas verdades tradicionais parecem intocáveis.
Por exemplo, há uma grande dificuldade em compreender como é possível ensinar e aperfeiçoar a técnica dentro do contexto de jogo, ou como se teoriza, ensinar a técnica por meio da ação tática.
Talvez o grande problema para se entender a ação tática, seja devido ao fato de que quando se fala em tática aqui no Brasil, sempre se associa à esquema tático (sistema tático, ou plataforma tática).
Tática, segundo as teorias em pedagogia do esporte, diz respeito aos meios de ação desencadeados pela circunstância lógica do jogo. Assim, ao treinador cabe pensar a estratégia (que pode englobar a busca pela utilização de alguns meios táticos) e sempre ao jogador a ação tática, pois dependerá dele na sua interação sistêmica com as intenções de companheiros e adversários mediante ao desencadeamento das situações do jogo.
Desta interação emergem as ações denominadas táticas, e para realizá-las o jogador se valerá de suas habilidades (que abarcam a técnica – os fundamentos específicos). Logo, fica evidente que as habilidades exigidas são consideradas abertas (técnicas abertas), pois as ações não podem ser previsíveis.
Sendo assim, o passe certo não é mais determinado por sua tese biomecânica, mas sim por seu resultado: se o companheiro conseguiu receber a bola (de preferência após abrir linha de passe) e dar continuidade ou finalidade na jogada.
Deste modo, num jogo de Bobinho, por exemplo, o passe (técnica) é determinado pela ação tática do jogador. Ação esta que dependerá das circunstâncias (contextos) que emergem do jogo (interação entre os jogadores, as condições externas e as regras do jogo). Logo, é pela tática (ação lógica; razão de fazer) que a técnica (gesto; modo de fazer) acontece e se aperfeiçoa.
Auxiliado por Julio Garganta e José Oliveira na busca por referendos as afirmações levantadas: “A táctica exprime-se por comportamentos observáveis e não dependem do livre-arbítrio. Ela decorre de um processo decisional metódico regulado por normas, que dependem de um certo grau de consciência pressupondo informação e conhecimento. Este conhecimento refere-se (1) aos sujeitos da acção, ou seja aqueles que se enfrentam, (2) às condições em que se desenvolve o confronto, (3) à relação intrínseca com os objetivos, (4) ao caráter sistemático reflectido nos planos e alternativas para a resolução dos problemas colocados.”
Portanto, a partir desta reflexão posso entender o que se pretende com a chamada periodização tática e mesmo com a metodologia integrada, ou com a utilização dos meios táticos como referências para treinos e diversificação das plataformas táticas nos processos de especialização. Além da proposta apresentada para a iniciação, defendida pelo professor João Batista Freire, no livro “Pedagogia do Futebol”, a qual parte da tese da pedagogia da rua.
Contudo, mais uma vez encontro argumentos para a transformação definitiva do adágio popular “Treino é Treino, jogo é jogo”, substituindo-o pelo ressiginificado: “Treino è jogo, jogo é treino”.
Para interagir com o autor: alcides@universidadedofutebol.com.br

2 comentários:

Unknown disse...

Olá Ferretti, concerteza vc não se lembra de mim mas somos primos, sou filha de Jonas irmão da sua mãe irenita e a muitos anos não tenho noticias dela e do seu pai Paulo, sou de Minas e se possivel gostaria de ter noticias..
um Abraço Erika...

Eder Bueno disse...

Caro prof Ferretti... Espetacular esse texto, o leio pela segunda vez, primeira em teu blog. Acho que seguimos essa tendência tecnicista, nao só do treinamento, mas de todas as esferas sociais baseados numa ordem militar imposta no pós 2guerra mundial...
Acredito que a mudança de conceitos, de esteriótipos, de idéias se dá ao longo dos anos, mesmo que minimamente. Entretanto, precisamos acreditar que podemos quebrar o paradigma... Grande abraço tchê... Grande ano de 2010 e fica com DEUS...